Talvez eu nunca tenha sentido as coisas assim, tão genuinamente: a raiva, o amor, a alegria, a tristeza, a ansiedade, o afeto, o sexo. As minhas emoções têm emergido sem qualquer filtro, sem qualquer disfarce. E pela primeira vez eu me permito ficar com elas dando a cada uma a importância que me pedem, porque elas não me governam, são apenas emoções, são a minha transparência.
Sempre confundi a espiritualidade com um estado de bom-humor contínuo, uma expressão caridosa constante e a compaixão sempre presente. Talvez por isso, até a alegria me doesse às vezes, pois no fundo, eu queria esconder que dentro de mim havia também certo egoísmo, uma maldade latente, uma força para machucar que é nada além de uma forma humana de defender-se da ilusão de que algo possa feri-lo fundamente. Não respeitava meus instintos quando queria ser a melhor companhia para os outros o tempo todo. E errei muitas vezes na tentativa de acertar. E me feri em diversos momentos dando aquilo que eu não tinha ou queria. Sendo alguém que eu não estava.
A aceitação que eu buscava vinha de uma falsa compreensão que eu oferecia ao outro. Quantas foram as vezes em que eu simplesmente estava entediada com o drama alheio e me fiz prestativa e disponível no instante em que eu só queria respeitar minha vontade de solitude e ficar absorta nos meus próprios devaneios. Quanto tempo foi gasto procurando coisas e pessoas que preenchessem minhas lacunas quando eu apenas precisava do vazio; de estar comigo na feiúra e na beleza que carrego.
Como me arrependo do choro engolido, do elogio economizado, do insulto recebido sem me posicionar, da trepada sem afeto, do poema forçado, do colo que não pedi, do conselho que dei quando eu mal sabia de mim mesma, da ferida que causei por um motivo qualquer, da ferida que me fizeram e que não curei com o perdão.
Quantas palavras foram gastas para falar do silêncio. Quantos abraços foram aceitos impregnando o meu campo energético com um peso denso, e quantas vezes me protegi de uma carícia sincera. Quantas vezes suguei e fui sugada chamando isto de bondade. Quanto mais adequada eu tentava ser, mas eu me perdia do que eu era. E abafei minha loucura no peito comprimido para ser socialmente agradável. E escrevi coisas otimistas quando estava sofrendo de tanto medo. E ninguém sabia que aqui do outro lado eu estava chorando. E deixei que me julgassem sábia quando sou apenas mais uma buscadora tateando no escuro à procura da luz que pretendo beber a grandes goles.
Sou tão humana, Meu Deus! E no processo de lapidação, joguei fora algumas das minhas arestas, que talvez fossem o que eu tinha de mais valioso. Sou apenas alguém que escreve, que oscila, que anseia, que sofre, que ama, que acorda de madrugada pra pensar e tem inveja dos que dormem tão profundamente àquela hora. Não tenho nada que outra pessoa não possa desenvolver também. Não há limite que eu não possa superar. E se você me encontrar por aí, ou por aqui dizendo coisas e mais coisas, duvide de mim também. Sou apenas mais uma na multidão que, enquanto caminha, vai deixando pra trás certezas, adereços, endereços...
Sou apenas mais alguém que.
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Marla de Queiroz
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