sexta-feira, 25 de março de 2011

O tempo fechou e agora?



A psicoterapeuta paulista Sandra Taiar nos ajuda a compreender o que acontece conosco em momentos de imensa dor e como sobreviver às tempestades que nos pegam de surpresa no meio do caminho.

De uma forma ou de outra, todas nós já experimentamos dias que amanhecem como qualquer um e dão uma guinada, abalando nossas estruturas. A psicóloga paulista Sandra Taiar interpreta o modo como respondemos a tais surpresas e mostra como é possível adquirir mais equilíbrio apesar da intensidade das circunstâncias. Psicoterapeuta há 25 anos, ela pratica e pesquisa a metodologia formativa do americano Stanley Keleman, criador da terapia somática formativa, que leva em consideração, entre outras coisas, a influência do corpo, da mente, da emoção e da sexualidade na nossa maneira de pensar e agir.

Por que sentimos tanto medo do que é inesperado?

Numa realidade em que nada permanece no mesmo lugar durante muito tempo, o desejo básico da maioria das pessoas é de estabilidade, continuidade e duração. Por exemplo: testemunhamos um número crescente de divórcios e separações, mas o sonho de muitas mulheres ainda é ter uma relação estável e duradoura, como as de antigamente. O mesmo acontece no mundo corporativo, onde o risco de uma demissão ou a descontinuidade de um trabalho. O TEMPO FECHOU... E AGORA? Quanto mais mudanças nos ameaçam, mais nos apegamos com unhas e dentes a tudo que acena com um mínimo de segurança. Ou seja, desejamos que a vida permaneça a mesma.

Quais as consequências sociais dessa contradição entre o desejo de permanência e a realidade em constante transformação?

Nesse mundo vertiginoso, não somos estimuladas a amadurecer respostas para as sucessivas crises e desafios que enfrentamos. Temos de estar sempre prontas para mudar e, para complicar, somos seduzidas continuamente por imagens idealizadas de perfeição e sucesso e por uma forte pressão por produtividade, sob pena de exclusão. Essa é a grande crise, o pânico de que a qualquer momento podemos ser excluídas e perder territórios conquistados. O medo do inesperado e a impossibilidade de assimilar as mudanças nos levam a situações crônicas de depressão, solidão, vazio e falta de sentido. Na tentativa de compensar o ritmo dessa sociedade, nos apegamos a valores tradicionais, que ainda nos dão a sensação de segurança, como o casamento, a estabilidade no emprego e os papéis femininos tradicionais. Talvez estejamos diante de uma sociedade de transição, que emerge de uma tradicional e estável para outra mais móvel e dinâmica.

Por que é tão difícil aceitar a mudança repentina?

Porque, em parte, precisamos da repetição, do previsível, pois assim construímos nossa estabilidade emocional, profissional, financeira e afetiva. Durante a primeira metade da vida, essencialmente, construímos essa estabilidade. Faz parte dessa fase competir, vencer, justamente com o objetivo de adquirir segurança. Ao mesmo tempo, formas muito rígidas nos asfixiam. Também precisamos do movimento, da mudança e da fluidez. Vivemos em busca de um equilíbrio entre esses dois aparentes paradoxos.

O que acontece quando uma pessoa se vê diante de algo que causa um choque emocional?

A resposta depende da maturidade, do quanto se consegue lidar com a situação ou ser machucado por ela. Ao mesmo tempo, um choque sempre dispara o mecanismo do susto, uma forma de proteção automática diante de situações de emergência, desenvolvida pelo ser humano ao longo da evolução. Diante do choque, de uma dor excessiva, temos três alternativas de atitudes. A primeira seria partir para um enfrentamento e ataque – endurecemos todo o corpo e bombeamos sangue para a parte superior, preparando-nos para lutar. Na segunda, a pessoa não se decide entre o ataque e a vontade de fugir, fica indecisa, sem ação ou tem atitudes conflitantes. Uma terceira atitude é o colapso total (desmaio) ou a fuga, assumindo que somos incapazes de enfrentar a situação. Essas respostas a momentos emergenciais são resultantes do nosso processo evolutivo – cada um de nós tem uma maneira quase padronizada de reagir: há os enfrentadores, os que ficam meio paralisados entre fugir ou enfrentar e há aqueles que preferencialmente decidem não enfrentar e fugir.

A reação diante da mudança repentina depende muito do que a pessoa já vivenciou?

Sim. Todos nós crescemos enfrentando desafios e ameaças. Um acontecimento que é vivido como assimilável por alguém pode ser pesado demais para outra pessoa. E a intensidade dessas agressões depende do momento em que ocorreram em nossa vida, de quantas vezes aconteceram, de onde partiram e de sua duração e gravidade. A reação tem a ver ainda com o tipo de apoio que se recebeu ou não. A ausência temporária dos pais, por exemplo, pode ser vivida como agressão, para uma criança pequena, e apenas como um desafio, para uma criança maior. Uma crise financeira pode ser um estímulo a mudar, mas, se for muito intensa, também pode implicar perdas e desagregação familiar. Em geral, a tendência é repetir um mesmo tipo de reação diante dos choques. Se a repetição for mecânica e automática, porém, é sinal de que temos poucos recursos para encontrar saídas para desafios diferentes.

As pessoas que nos servem de referência também influem no jeito como reagimos?

Sim. A forma de reação das pessoas que representam referências importantes é que nos ajuda a construir respostas às crises. Se tivermos pessoas estruturadas na família, por exemplo, podemos nos fortalecer diante do imprevisto. Da mesma maneira, se já conseguimos superar com relativa facilidade outras mudanças bruscas no passado, essa capacidade também nos ajuda a vencer novos traumas. Quanto mais positivas forem as experiências anteriores e as referências de pessoas próximas diante de uma dor inesperada, mais fácil será a reação e a recuperação.

Depois de um choque inicial, então, o que pode ocorrer?

A resposta imediata é a investigação e o enfrentamento. São momentos em que escolhemos entre avançar ou recuar, enfrentar ou fugir, lutar ou ceder. Se o choque ou a agressão prossegue, podemos ficar excessivamente rígidos, buscando manter a integridade. Se a ameaça continuar, vem a dúvida: enfrentar ou voltar e fugir? O conflito, frequentemente, nos congela na posição de dúvida. Às vezes, a resposta é desistir de lutar, inclusive desmaiar, para diminuir a pressão interna. Essas formas de reação são emocionais e corporais e geralmente devem persistir apenas sob o impacto da emergência. Se elas não são superadas, podem se tornar comportamentos com efeito nefasto, limitando nossa capacidade de responder a outras crises.

Por que algumas pessoas parecem anestesiadas com um choque?
Muitas delas buscam viver depois como se nada tivesse acontecido...

Às vezes, precisamos da anestesia para poder suportar uma dor muito forte. É um mecanismo de proteção, desenvolvido no processo de evolução. Porém, se a situação de anestesia se prolonga, se congela no tempo, e se a pessoa prossegue negando a situação desafiadora, então ela será afetada de modo mais extenso, se anestesiando e negando outras situações de vida, o que vai comprometer seu desenvolvimento. Por outro lado, se alguém se congela no estado de alerta extremo, pode se tornar permanentemente tenso, mesmo quando não há ameaça iminente. Quando o medo faz estancar o psiquismo num momento de resposta agressiva, o risco é que a pessoa reaja sempre com agressividade seja qual for a situação. E, nesses casos, o equilíbrio está comprometido, pois o que pode ser natural e aceitável diante de um grande susto passa a ser patológico e prejudicial quando se cristaliza ao longo do tempo. Todas essas respostas são organizadas no próprio corpo, modelando sentimentos, percepções e pensamentos que limitam nossa capacidade de aprender e evoluir diante de encontros e estímulos novos.

O que pode favorecer o processo de descongelamento?

Toda mudança precisa de um tempo de maturação, seja ela o nascimento de uma flor, seja o culminar de uma idade, seja uma transformação no modo de viver. É muito difícil viver o fim prematuro e inesperado de um ciclo. Quando uma situação ou um ciclo acaba – ou seja, quando aquilo que era estável já não pode prosseguir ou não faz mais sentido – é preciso reconhecer que algo mudou definitivamente e que a vida não será a mesma. O reconhecimento de um fim é o primeiro passo para a mudança. A vida mudou e não adianta repetir o mesmo padrão. No processo de ending (finalização) – como Stanley Keleman chama o término de um ciclo –, depois da aceitação há um período de desmanche dos antigos padrões, fase extremamente necessária para encerrar uma etapa da vida. Passar de um casamento para outro quase imediatamente, por exemplo, pode significar que trocamos de parceiro apenas para reforçar nossas expectativas não realizadas com o parceiro anterior. Se não nos permitimos o tempo interno necessário para que os antigos padrões se reformulem, como abrir espaço para um novo começo? Não se pode evitar um tempo de luto, de despedida interna. É o que Keleman chama de plano intermediário, uma pausa solitária e curativa necessária para que novas conexões e possibilidades sejam gestadas dentro e fora de nós.

Quando não há essa pausa, acabamos levando velhas formas para novas situações?

Sim. Precisamos de um tempo para voltar a pulsar de maneira plena, com energia suficiente para fazer frutificar novos movimentos, idéias ou formas de se relacionar. Quando deixamos um ciclo de fato se encerrar, sem pressa, conseguimos voltar à vida mais íntegra. A pausa faz surgir novos hábitos, encontros, jeitos de fazer as coisas, interesses, necessidades. É extremamente importante ter um tempo para cultivar e experimentar essas novas formas de viver, senão há risco de voltar ao antigo padrão, o que significa retroceder no processo de amadurecimento.

Ao reagir, há algum modo de impedir que o jeito antigo predomine?

Imagine a situação: alguém termina um namoro a duras penas e, quando está conseguindo esquecer, o ex-parceiro pede para voltar. A dificuldade é não saber o que fazer diante de uma situação que nos transporta de volta ao conhecido. Para evitar uma reação automática é preciso identificá-la e estar muito consciente dessa armadilha. Será que você cede fácil sob pressão? Será que fica confusa e não decide o que fazer? Ou logo desiste de mudar? Além de reconhecer o impulso que nos move quando ficamos entre assumir um novo desafio ou voltar ao conhecido, é preciso enxergar e alterar a imagem corporal que assumimos nesses momentos.

Por que é preciso identificar a reação corporal nos momentos de desafio e decisão?

Vamos supor que toda vez que um ex-namorado liga você fique confusa. Meu conselho é observar como o seu físico reage: o coração começa a bater forte? Você fica dividida entre continuar a conversa ou interromper? Se assim for, vai perceber que um lado do seu corpo vai para frente, enquanto outro vai para trás. A respiração pode ficar rápida, superficial: o peito afunda e estufa depressa, a nuca endurece, vem um aperto na garganta... O estômago pode se retrair ou a visão se turvar. Nesse estado, a mente já não pensa com clareza e então você responde o que o outro quer que você responda, e não o que você queria responder. É importante saber como o corpo reage para conseguir desacelerar essas reações físicas automáticas, um grande recurso para evitar comportamentos automáticos. Brecar esses processos automáticos lhe dá tempo de hesitar entre avançar ou recuar, o que significa uma oportunidade de entrar em conexão mais profunda com você mesma e só depois disso agir.

Como se pode relaxar o corpo, livrá-lo do automatismo para obter esse tempo precioso?

Concentrar a atenção na respiração é o caminho para relaxar a tensão muscular, o diafragma, desfazendo a rigidez da coluna e da nuca. Respire, respire, sem pressa. Aos poucos, você vai voltando a sentir os pés no chão, o coração mais ritmado, o fôlego de volta ao normal. Um corpo relaxado ajuda a recobrar a consciência e o controle emocional. Daí, você estará pronta para decidir o que de fato quer. Ao praticar essa desaceleração, recupera-se a chance inestimável de responder de acordo com o que realmente se deseja.



Rosani - Blog Fragmentos de uma alma perfumada

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