A intelectualidade nos alerta para o campo fechado e repressor da certeza fanática, enquanto a imaginação alça voo longe na planura e nas montanhas de altos cumes de onde lança sua luz igualitária; nenhum homem está acabado; todo homem nasce bruto para depurar-se na proximidade com o outro. A natureza nos dá farto exemplo de sua necessária coexistência, então, pergunto-me: porque não podemos viver juntos? Porque caminho pelas ruas e deslumbro a sombra da tristeza no olhar cabisbaixo de um semblante necessitado? Porque a chuva tornou-se uma afronta ao modelo de vida? E, as flores? Qual é a diversidade de cores e perfumes? As vezes é como se houvessem deixado de existir. Imagine por um instante o sol banhando um extenso campo de flores, o vento em sua carícia insistente levando-lhe o perfume, que apressado declina o aroma em ti; ou imagine o canto delicado do pássaro matutino lembrando-lhe da noite serena e repleta de estrelas. “Ora (direis) ouvir estrelas! Disse Bilac – Certo perdeste o senso!” “E eu vos direi, no entanto, que para ouvi-las muita vez desperto e abro a janela, pálido de espanto.” Porque não direcionar o olhar para o sublime? Porque encerrar a alma no cárcere do veiculo vicioso? Carros se acumulam nos ferros-velhos, prédios desmoronam, pontes balançam, roupas perdem o viço, bebidas causam vertigem, telefones buscam sinais distantes, e em tudo isto em que canto obscuro jaz o homem? Aquele sonhador atropelado com a leveza do passo, aquele lírico verso descabido que cabe apenas no peito, colado na alma, junto as coisas sublimes; a vida é renovar-se na água engrene dos oceanos, é vento em linha, seu sentido é a amplidão e a pluralidade, por isso cabe em todos os homens. Disse o poeta “que o homem quando sonha é um Deus, e mendigo quando reflete”, e parece-me acertado dizê-lo, pois os homens são pobres a luz da reflexão se não conservam nela o fervor do sonho, do ideal. Em 1968 no muro de Paris foi encontrado a seguinte frase: “O que eu mais quero é que as ideias voltem a ser perigosas.” Estou a compartilhar uma ideia – a ideia de que todos podemos depurar a alma para elevá-la em sua existência, construindo em sua estrutura um mundo melhor, onde homens se sintam leves e não pressos em campos de concentração em trabalhos forçados; onde homens são homens, mortais é certo, no entanto, iguais e dissonantes na sua particularidade. Nenhum homem é uma ilha, dentro de si há uma humanidade. Reavivemos em cada um de nós essa humanidade. Sei, lhe acentuará no ouvido a prerrogativa “de que as mudanças e o progresso são utopias, apenas castelos de vidro ou desenhos no ar.” Faça o uso da tua inteligência e verás na lógica da história o contrário: a extinção de práticas de canibalismo, de incesto, linchamento de mulheres adúlteras ou o comércio de escravos mediante pagamento de dívidas, derrota militar ou intimidação física – nos mostram a possibilidade do progresso. Progredir requer esforços e sacrifícios, entretanto, cabe-nos discernir no horizonte a faixa de luz na qual podemos acentuar a forma; cada qual caminha defronte sua história, e por tanto, apenas a partir dela é possível construir a mudança. Olhe para si mesmo e olhe para o próximo, a distância que os separa é minima e as diferenças são aparentes. Uma pergunta, talvez a última – em que linha no horizonte acaba a terra e começa o céu? Disse-lhe que era a última, me enganei: em essência em que traço começa você e em que traço começa o outro? Se fosse um espelho, seriam um só...
Vinícius - Blog Folhas Avulsas
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