sexta-feira, 4 de março de 2011

Vida da palavra...



Vive dentro de mim os versos e reversos que aprendi ainda pequena. Vive a palavra incontida que escrevo em todos os momentos da vida. Minha língua, eu resguardo. Preservo suas vírgulas, parágrafos e vocábulos. Por ela luto, reluto e encaro a licença poética um tanto permissiva para o meu gosto. Assim como um pouco pode ser demais, dependendo do ponto de vista.
Se tem vida cada palavra? Não só tem como é a própria vida de um povo. O que seríamos sem ela? Talvez macacos, gesticulando e gruindo. Nenhum sentimento seria descomposto em gagueiras desafinadas. E o olhar vagaria entre as mãos e os olhos, somente. Faltaria a canção. A musicalidade da voz. A entonação que acompanha a paixão. O som e o coração em um mesmo compasso, seguido pelo olhar. A boca seca, a garganta arranhada e vão-se as palavras ao encontro do interlocutor ansioso. Há uma fusão de sentidos nesse momento. Tudo junto, pronto para a emoção. A palavra é a expressão do pensamento.
Existem palavras que têm vida própria. Que não precisam de acompanhamentos. Por si só já falam muito. Se eu digo “amor”, disse quase tudo de mim. Do que quero, sinto e também do que sou. Se eu digo “guerra”, já esclareço que não quero ouvir argumentos. Se eu digo “paz”, a suavidade contida nas três letras apazigua qualquer alma desvairada.
A palavra escrita é linear. Dócil ou agressiva, acompanha o seu escritor onde quer que ele vá. Falada, é diferente. É interpretada, declamada e dificilmente mal-interpretada. O olho no olho e a tonalidade da voz dão-lhe peculiar característica.
Costumo dizer que as palavras têm cor. Podem ser vermelhas, azuis e amarelas. Tudo depende do que se quer fazer com elas. Então, elas não só têm vida como têm almas. Sim, cada palavra é um quebra-cabeça que pode ser encaixado aqui, ali, dependendo da figura e do corte, porém responde aos estímulos que damos. Respondem com o tom, com a voz ou, ainda, com outras palavras combinadas. As azuis são as suaves, que acariciam. As vermelhas são agressivas, mortais. Podem ferir. E as amarelas ficam em cima do muro. Nem lá, nem aqui. São usadas como companheiras.
As palavras vivem a eternidade nos discursos de Antonio Vieira, Gandhi e Jesus. Mesmo traduzidas, ficam em nossos ouvidos como uma balada suave. Perpetuam-se em textos profundos que jamais esqueceremos. Delas tiramos todos os entendimentos de se viver melhor, e quanto mais lemos, mais aprendemos. Ela está presente em todos os aprendizados úteis e... inúteis da vida. Por que não dizer das palavras colocadas em mau sentido? Palavras que podem ferir, magoar. Cartas que podem conter despedidas e livros que ensinam o ódio e o medo. Então, as palavras também têm dois gumes. Como quase tudo no mundo, a serventia que fazemos delas é que lhes dão alma boa ou ruim.
Palavras da vida. A vida das palavras. Vivo de palavras que pululam nas frases que crio. E o que mais quer um escritor? Quer que as palavras tenham vida e a vida reconheça que, com elas, as guerras não precisam existir. O desamor não precisa aparecer, e os homens possam se unir na mesma linguagem que vem do coração.
 
 
Claudia Villela de Andrade


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