Eu tive que desfazer depressa, descosturar tudo antes que você chegasse. Eu desfiei as noites em que você me abraçaria e me aqueceria, enrolando seus sonhos nos meus cabelos. Noites embaixo de árvores, folhas secas no chão, carinhos lentos, risos baixos, vida completa. Eu desbordei uma tapeçaria de segredos. A cumplicidade que teria com você, as nossas mãos se tocando como que ao acaso. Eu precisei desmanchar meus carinhos no seu rosto, antes que você os visse. Eu, depressa, descosi os sorrisos que daria, os bilhetes que enfiaria nos seus cadernos, os telefonemas que daria escondida. Eu precisei desmanchar, pétala por pétala, qualquer margarida roubada que eu pudesse lhe dar. Bem rápido eu puxei os fios, cortei com tesoura, rasguei com os dentes, antes que você pudesse chegar e ver tudo que eu já havia tecido para nós. Fios rompidos no chão, enovelados, enosados, sobras coloridas do que não poderá mais ser. Deu tempo. Quando você chegar verá destroços meus no chão. Não verá nossas noites, nossos carinhos, nossas mãos dadas à esmo. Verá só a confusão de fios e panos. Talvez pergunte o que é. Talvez nem se importe. E eu não vou dizer nada. Não vou me importar também. Mas ao sair, ao sair ainda vou olhar para a lã vermelha, toda arrebentada, e vou saber. Só eu vou saber. Aquilo ali já foi o meu coração. E eu havia bordado para dar a você. Mas você não quis."
Texto caído de uma das poeirentas cartas de Clarissa.
V. Linné
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