Todo ano, nas proximidades de meu aniversário, começo a prestar atenção a algumas particularidades do meu cotidiano. E sempre me surpreendo com mudanças. Por vezes, tão sutis, que só as percebo justamente por procurá-las. E esse ano não foi diferente.
Estava eu num ônibus, voltando do trabalho, espremida no banco, no canto da janela, ao lado de um senhor um tanto maior que o lugar que ocupava. Ao redor, homens e mulheres de todo o tipo, alguns de terno e gravata, outros mais simples; mulheres de vestidos e conjuntos do tipo uniforme, algumas com vestes mais simples e perfume barato, daqueles que infestam o ambiente com apenas uma gota. Também alguns estudantes.
Nisso, entra uma senhora com algumas sacolas e pastas, possivelmente uma professora, ou funcionária de escola (pelo tipo de material que transportava, como rolos de cartolina, envelopes pardos, resmas coloridas, livros). Ela aparentava estar nitidamente cansada, suada, esbaforida. Olhei em volta, imaginando que um dos rapazes musculosos e saudáveis, que estavam sentados, cederia o lugar; ou que alguma estudante magrinha e bem jovem fizesse tal deferência. Ninguém fez menção sequer de acomodar os embrulhos e sacolas da mulher. Já estava eu, após 10 horas de trabalho, não tão garota, sapato alto, pensando em levantar, quando um homem negro (faço questão de frisar sua cor, uma vez que não tolero esse racismo subliminar e aceitável hipocritamente que nos circunda todos os dias), sim, um homem negro, sorri e cede seu lugar à senhora agoniada.
De súbito, olhei para aquele homem humilde, roupas simples, sapatos gastos, aparência desanimada, e senti uma excitação anormal para aquele tipo, que nunca me atrairia em outra situação. Comecei a reparar em seus traços, em seu semblante, sua compleição física. Nada a ver com meu ideal de beleza e sensualidade. Não tinha musculatura desenvolvida, não era intelectual, não tinha sequer aquele jeito cafajeste que as mulheres negam, mas que adoram. Nada. Era um homem simples do povo, mas profundamente sexy, em sua gentileza e preocupação com o bem estar daquela mulher.
Achei que estava apenas grata àquele homem, pela situação, e deixei pra lá.
Dias depois, na fila do supermercado, testemunhei a delicadeza de um outro homem, esse bem rude, que dava para se notar as dificuldades da vida, pelos produtos contidos em sua cestinha de compras, e pelos trajes desbotados e algo puídos. O homem estava impaciente, talvez faminto, olhando a toda hora para o caixa, trocando a perna de apoio repetidamente. Logo atrás dele, uma senhora também intolerante, reclamando da morosidade do caixa, causando um mal estar desnecessário a todos nos arredores.
Foi quando chegou aquela moça, empurrando um carrinho abarrotado, com uma criança pela mão e outra de colo, choramingando. A moça estava claramente em dificuldades para administrar a coisa toda. Francamente não sei como ela, sozinha, deu conta de fazer as compras até ali.
A senhora começou a olhar para trás, a reclamar, a demonstrar incômodo com o chorinho do neném. A moça nada podia fazer, visto que precisava ficar ali até ser atendida.
Pois foi quando o homem, que até então havia se mostrado irrequieto com a demora, cedeu sua vez para a moça, sob os protestos da tal mulher azeda.
Novamente senti-me atraída por um homem estranho e de cuja aparência nunca notaria em outra ocasião. Passei a analisar o sujeito, e o vi lindo, carinhoso, amigo, um homem que respeita a condição feminina e a protege.
Então me dei conta de que os meus desejos estavam mudando. Meu foco era outro agora. Não me sentia mais tão atraída por músculos, intelecto, situação profissional, social, ou fosse lá o que fosse. Não que não goste dessas coisas todas, mas parece que, de uns tempos para cá, o respeito do homem e sua quase veneração à condição feminina de mãe, de protetora, mas indefesa, vem provocando mais sex appeal do que qualquer apetrecho, apelo de mídia, ou idealização hollywoodiana, ao menos para mim.
Na verdade, penso que toda mulher gostaria que o homem fosse assim: cavalheiro, atencioso, preocupado com o seu bem estar, ao mesmo tempo em que respeitasse sua igualdade de inteligência e capacidade profissional.
É notório que fisicamente as mulheres são mais frágeis e delicadas. É óbvio que possui características peculiares à sua capacidade de procriação, como ciclo menstrual, gestação e lactação, e que, nesses períodos, sua fragilidade fica mais perceptível. É de conhecimento público ainda, a força interior, a solidariedade ao companheiro, a vontade e determinação, a luta, a acumulação de funções, a grande doação, a aura de amor que a contorna, a poesia que ela exala.
Concluo, então, que esse aparente litígio entre os sexos, a tentativa frustra de ser igual (porque não é mesmo), a vulgarização do pudor, que gera confusão na cabeça do homem entre liberdade e promiscuidade, tudo isso é fruto de mídia, que detém interesses escusos e manipula a massa. É a mídia que lança os modismos e comanda o que deve e o que não deve ser dito, ser feito, ser usado, ser adotado como padrão. E onde ficam nossos padrões? Onde o atavismo? Onde o orgulho de ser mulher, a nobreza de ser mãe, a beleza de ser madura, a realização de ser avó, a delicadeza de ser menina, o mistério de ser todas?
Há alguns homens que ainda guardam essa bagagem, lá no fundinho de suas mentes, talvez fruto de uma educação dada por mulheres (suas mães) que sabiam o que é ser mulher na íntegra. Sabiam dos sacrifícios, dos prazeres, das dores, das alegrias, das responsabilidades sobre o futuro da família e do mundo. Esses, remanescentes de uma era onde a mulher era a musa, a deusa e a dona, ainda cedem lugar na condução lotada, ainda abrem portas, ainda sorriem para crianças, e só não enviam flores e bombons, porque nem todos têm condições financeiras para tal, porque, do contrário, fariam isso sim.
E eu acabei de verificar que isso me atrai incrivelmente. Chego a não conseguir disfarçar. Molho mesmo. E logo eu, tão feminista, tão brigona por direitos iguais, tão acintosamente livre e moderna!
Sim, eu! Eu que sou mãe, que sou amante, que sou profissional, que sou poeta, que sou morena, que sou carioca, que sou brasileira, que sou feliz e satisfeita de ser mulher! Por isso mesmo, sou orgulhosa do que sou e sei que mereço dos homens, de todos os homens, a reverência, o reconhecimento, a admiração e o conforto e proteção que todo macho deveria ter por toda fêmea. Afinal, todos vieram delas, das fêmeas (até agora). Todos os homens deveriam respeitar as mulheres, pelo simples fato de elas serem as mães do mundo. Só isso já bastaria!
Fora isso, são a razão da existência do amor. Porque o amor é vida. E a vida é fêmea, vem do útero (claro, com a participação igualitária de espermatozóides, mas não estou falando de ciências).
Basicamente vi que há uma necessidade premente de se resgatar a mulher e o romantismo. Não digo que virei D. Quixote de saia, mas estou decidida a fazer campanha pela volta das flores, dos bombons (pode ser “diet”), dos sorrisos descompromissados, das gentilezas nos ônibus, trens, metrôs, na educação dos futuros homens com mais brios e respeito às mulheres, campanha contra a violência para com a mulher, inclusive violência das palavras, do uso de linguagem chula diante de uma senhora, da nudez escancarada desnecessariamente, diante dos olhos das meninas impúberes.
Não vou passar a usar vestidos longos e nem gola rulê no verão, mas acredito que nossos valores foram alterados não por nós, muito menos pelos homens, que estão tão confusos quanto, mas por uma propaganda enganosa, que só visa lucro, sem se importar com a humanidade. E é contra isso que deveríamos nos unir e tentar mudar. Nós, mulheres, e os homens que nos entendem e que nos colocam em nossas devidas posições no mundo. Não de quatro, ou por trás de uma pia de louça, ou de um fogão. Não por trás de salários menores que os homens na mesma função. Não em propagandas de cigarros, bebidas, carros, nuas de corpo e sem alma. Mas no verdadeiro papel que temos, lado a lado.
Volto a insistir, não é uma crônica feminista, ao contrário, mas a observação de que nossos valores foram tão aviltados que, hoje em dia, encontrar um homem que nos respeite como mulheres, seres humanos especiais, atrai profundamente, muito mais do que qualquer modelo fotográfico ou vencedor de Oscar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário