sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Num dia chuvoso...


 
 
Sempre se encontra motivo para tudo. Há razões para amar, para deixar, para ficar, para sofrer.
Até parece de propósito, que a folha balança num vento que eu não sinto. A paisagem da janela é a mesma, com variantes de sol e chuva. Mas a essência está lá, inerte, como a imaginação de quem pintou.
Ando assim meio estática. Nada a ver com físicos e engenheiros. Talvez com ampulhetas. É possível que esteja repassando tópicos que tanto adiei (ou odiei) vida afora.
Sinto-me, nesses dias, como alguém tentando ainda alguma vida sob os escombros. Tem-se a intuição de que ela está lá, mas o cansaço é tanto, e a dor é tanta, e os corpos largados pelo caminho, e as bonecas sem braços, as meninas sem vergonha, os homens sem coração...
Não gosto de escrever quando fico assim. Quero muito deixar impressões indolores, embora as saiba também inodoras, insossas, insalubres.
Que dia é hoje? Um qualquer, tanto faz, não há data pra se ter vontade de vomitar, ou comemorar o esquecimento. Somos um bando de carne nervosa, cultivando sensações daninhas.
O que há de bonito em se aparecer, fingir que existe e depois partir? Não há lição alguma em nascer, viver, morrer. Nada vai mudar daqui a alguns dias. Nada vai surgir, por milagre, e provar que estamos enganados.
Há o simples e o complicado, que eu invento para chamar a atenção.
Como disse no topo, sempre há um motivo para tudo. Cientificamente comprovado. Pensado, logo, existido.
Então existimos, pensamos, vivemos, e daí?
Meu pai, seu pai, meu avô, seu avô... Vivem, morrem e sempre foram machistas com idéias de grandeza, donos do mundo.
Minha mãe, sua mãe, minha avó, sua avó... Vivem, morrem e sempre foram submissas, escravas, figuras de um manual de como as coisas devem ser.
E daí? Quem muda algo? Qual a diferença? Por isso a vida tinha de ser relance, implante de memória ao nascer.
Acabo a página e nada concluo. Não gosto de escrever em dias nublados. Sinto que as idéias brotam cinzentas.
Acontece que não escrevo em dias de sol. Penso que nem pense em dias de sol. Apenas deixo-me aquecer, dourar, distrair. Sigo os caminhos sob o sol, que alguém já disse ser a coisa mais certa de todas as coisas. E, nesses dias, quando tudo tem uma razão, mesmo que não a encontre sob o manto plúmbeo, concordo plenamente com o acaso. Se o telefone tocar, e eu ouvir a voz que me clareia, todos os motivos porque escrevo se derretem sob a luz.
Então é o que digo: a paisagem é estática, eu é que sou mutante.
 
 
Lílian Maial

 
 

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