Como quem refaz o auto da criação do mundo,
recomecemos a escuridão
o evidente coração do tempo,
o que sobra da pedra escura que lateja no peito
por dentro, tosca circunferência
medida, lapso, o declinado compasso
da sobeja luz, a divisão
e abreviada história de cada movimento meu,
que recomeço em cada passo, firme
de cada guardada fria sombra da nascente,
o arco quebrado em mapa das estrelas
cadentes, traços e eclipses do tempo primeiro,
este acontecido momento.
Entretanto, recomecemos
o grão da terra que tarda,
a brasa do astro que arde
a força do átomo, da sede por água
a partícula da tormenta, e no tanto
que nenhuma brisa nos perturbe
e recomecemos,
o mundo, pouco mais.
E como quem é capaz de inventar uma velha nuvem,
o trapo e arca de todo o céu,
queimemos o incenso, tomemos das cartas
as leituras do inacabado poema,o lapso de tempo necessário
para que o coração continue
o incessante trabalho de viver,
o abreviado pulso de cada pouco momento.
No nosso desabrigo coronário
nesta terra imensa,
neste dia que se reinventa, possamos
recomeçando o cada passo, tão conciso
e secreto, tão pequeno
como a sombra matinal
que aguarda a noite tardia,
a anotação da estrela que se condiz nas tantas pontas
como as que nos haverão de guiar,
e que nenhuma letra cicatriz nos perturbe.
Por suficiente guardemos
da rouca voz, a matriz da página em branco
e da lua,
o luar e pouco mais.
Recomecemos
como céu e terra quase iguais
o corpo e vento, traço profundo
no tanto corpo ponto cardeal,
por finita evocação o esboço dos montes do mar.
Como frágil mão que nortes inventa,
e por dentro, tida por imperfeita ciência
no rudimentar dia puro que por refeito
façamos do coração evidência, essencial pulsação
e recomecemos
como quem refaz o auto evidente,
o livro primeiro da explicação, o claro manual
de exercícios do mundo, a rascunhada folha de papel
onde são os dias sempre iguais.
Recomecemos,
apenas,
a travessia, e em segredo
a manhã, o todo o tempo,
o mundo e pouco mais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário