domingo, 2 de novembro de 2008

Você ainda vai tropeçar no seu orgulho e cair na minha cama



Eu tenho um buraco aberto no peito. Um prego foi responsável por ele. A ausência do prego por muito machucou de morte esse peito aberto. E você se achou no direito de pegar sua faca e reabrir essa ferida. Você chegou de mansinho, me colocou no seu colo e achou que podia brincar. Esburacar, meu amigo, não é brincadeira. Um peito aberto merece respeito. Uma dor merece atenção. Mas você só conseguiu olhar por sobre esse vão e esqueceu de enxergar o peito que o forma. Muitas dores são sem valia. Muitas palavras nada dizem. Mas eu quis acreditar. Quis crer que você não tinha uma faca. A ilusão me deu imagens agora desagradáveis de um sopro acalentador na ferida recorrente. Eu me entreguei, você me usou. E estabelece um jogo diário sem time, sem dupla, sem regras, sem padrões. Não movi minhas peças, mas você continuou fazendo seus pontos. Eu não sou um tabuleiro de xadrez. Tire suas mãos sujas de lama da minha côxa. Arranque dos meus quadris seus olhar de desejo reprimido. Destrua as palavras dúbias que ainda moram no meu ouvido. Não me deixe mais permitir você me invadir. Eu me ative a fios de teias, você as teceu sem licença. A queda, meu amigo, não faz parte de mim. A fumaça do seu cigarro não vai dissipar a impureza do seu caráter. O encontro de retinas é sombrio. E você tinha uma faca. Fez uso dela sem parcimônia e esqueceu que feridas abertas incomodam. Você tem, agora, suas mãos sujas com meu sangue. Pode disfarçar, lavar, limpar, mas o cheiro do metal ensanguentado não vai sair de você. Você ainda vai lembrar do som do meu sorriso e da cor da minha escova de dentes. Seu jogo não me engana mais, não me perturba mais. Estabeleça quantos contatos telepáticos quiser. Pule na minha mesa e rasgue meus papéis. Atropele meus passos sem pressa, sem medo. Conte segredos ao vento pra que eu possa escutar. A ferida faz parte de mim. Sua faca não me mete mais medo. Eu sentei e fumo meu cigarro. Você ainda vai tropeçar no seu orgulho e cair na minha cama.

Clarice Carvalho

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