terça-feira, 2 de abril de 2013

A casa dele...


Ele abre a porta e, de repente, está tudo ali : o tempo, as mágoas, e os sonhos. Tudo impecavelmente organizado, como se assim ele pudesse entender melhor as coisas.
As paredes cinzas, como o sofá, e como o céu de sexta-feira.
Ele nem via, mas o piso de cimento, que devia ser frio, sorria, envolvendo delicadamente as pastilhas brancas.
O afeto endurecido derretia nas fotografias.
Sobre a mesinha da sala mais um lapso de alegria : um livro adulto estava coberto por outro, infantil.
Ninguém percebia, mas a música escapava pelas frestas do armário, ouvindo dizer que eram milagres, noites com sol... e um vento indigente soprava a toalha solitária estendida no varal, lembrando que tudo é vida. Tudo, tudo.

Devia ser segredo, eu sei, mas tudo estava lá. 
Vi alegria escondida por todo lado.

E eu ?
Eu era a desordem resignada, a única almofada fora do lugar. Um enfeite vermelho, um coração exposto.
Sem saber, ele me atropelava, 
colocava vírgulas em mim.
Mas tudo é vida.
Tudo, tudo.

Solange Maia


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